quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Aprendi a amarrar um tijolinho no calcanhar.








      O ano está chegando ao fim, e com ele, chegam as retrospectivas. Eu, assim como qualquer pessoa, parei alguns minutos - ou talvez horas - para pensar em tudo que se passou no ano que está se findando. O resumo, bem resumido, é que este foi, sem dúvidas, um ano difícil.
      Cheguei à conclusão de que este foi um ano pesado, como se eu carregasse um tijolo amarrado ao meu calcanhar. Eu sigo em frente, mas o peso está ali, incomodando. Acontece que foi este bendito tijolinho que me ensinou algumas coisas que estavam precisando ser aprendidas por mim.
      Não, eu não vou dizer que finalmente aprendi a deixar pra trás o que me prende, ou que aprendi a dar valor às coisas quando as tenho na mão. São coisas que ainda sonho em conseguir, e bom, estou trabalhando duro para chegar lá. Mas aprendi que, no fim, é nisso que tudo se resume. Buscar, sempre buscar.
      É por isso que desejo para todos que gastaram, ou que gastam, um tempinho para ler meus textos sempre que os posto, e para quaisquer que sejam os que entram por engano, um ano novo cheio de buscas. Desejo um ano novo com muitos encontros também; encontrem-se! Encontrem algo que os caracterize.  Que o próximo ano seja um ano de aprendizado, assim como foi o meu; um ano cheio de dificuldades que nos fazem crescer. Desejo a cada um, um tijolinho. Não precisa ser grande, mas que seja significativo o bastante para ensinar; para que o ano não se passe sem grandes emoções.
      Sempre que me deparo com uma situação difícil, tento me conscientizar de que elas precisam existir para que logo depois, quando tudo se acertar, - e se acerta! - eu possa ficar feliz novamente. A felicidade só existe por causa da tristeza e vice-versa. Viver é isso; ir aos máximos, não ficar no morno. Ano que vem eu desejo intensidade.
      Que todos possam descobrir o que lhes falta, fazer uma listinha, e ir atrás disso tudo. Acredito que podemos nunca alcançar todos os objetivos que traçamos para nós, mas buscando sempre atingi-los, estamos, com certeza, dando o nosso melhor. E isso significa que a cada passo, com o tijolinho ali, estamos crescendo. Transcendendo.
      Busquem!
      Boas festas, bons tijolinhos e até ano que vem,



      Marina Rappa.
   

domingo, 28 de outubro de 2012

Responderia sim.







      Nunca soube ao certo se acreditava ou não no destino; aquele traço que nos é dado antes mesmo de nascermos, e que não há a possibilidade de refazê-lo. Mas outro dia tive a comprovação de que, pelo menos, alguns momentos de nossa vida aparecem porque estavam escritos assim. Deveria acontecer exatamente daquele jeito; sem tirar, nem pôr.
      Fui assistir a uma peça de teatro outro dia e tive a nítida impressão, ao ir embora, de que estava exatamente no local onde eu deveria estar. A peça falava, basicamente, sobre morte. E na morte, nada mais comum que pensar na vida. Foi o que eu fiz.
      Estava a atriz no chão, encenando um suicídio, enquanto uma outra pousava sua cabeça delicadamente ao lado do ouvido da "morta". Foi quando eu a ouvi dizendo: "Se eu te desse uma oportunidade, só uma, de viver de novo tudo o que você viveu, com as mesmas felicidades, as mesmas tristezas... tudo igual. Você toparia?". Me peguei gritando mentalmente que sim.
      Cheguei em casa e pensei diversas vezes sobre tudo que havia se passado na minha vida; as mudanças, as felicidades e, principalmente, as tristezas. É engraçado e até mesmo clichê pensar que se não fosse tudo isso que vivi, eu não saberia o que sei hoje; eu não seria quem sou.
      Tenho esse sentimento saudoso pelos tempos passados, mas pensava que o que havia acontecido comigo até esse exato momento era, em certas partes, triste. Foi no meio desse paradoxo que percebi que, se sinto saudade, é que tudo que me aconteceu foi bom. É a questão de você conseguir o que precisava, não o que queria.
     Eu precisava aceitar que tinha que crescer, precisava amadurecer. Perceber que as coisas na minha volta eram boas. Foi como uma lição; um aviso. Se você começa a pensar que as coisas que te aconteceram foram ruins, tudo perde sentido, você fica preso em uma condição de vítima. É aí que aparece aquela bola de neve - quanto mais vitimizado se é, mais parece que o mundo conspira contra você.
      Me senti como em uma manhã de chuva, quando você abre os olhos de um pesadelo e percebe que tudo está bem, está no lugar que sempre esteve, e que o monstro, na realidade, não existe.
      Abri meus olhos. A vida continuou do mesmo jeito de sempre, com um único porém...
     
      A vida fazia sentido.
   

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Gelo que queima.






      Se vestiu como de costume; um vestido florido logo abaixo dos joelhos sem carne, uma sandália baixa branca e o laço discreto, feito de cetim rosa claro, nos longos cabelos pretos. Enquanto se olhava demoradamente no espelho, analisando todas as suas não-curvas, o padrasto gritava-lhe o nome no andar de baixo. Deu uma última olhada no fundo dos próprios olhos; cinzas, sem vida, azuis um dia em sua vida.
      Desceu as escadas quieta, e de rabo de olho observou o padrasto que já estava em seu lugar corriqueiro, no canto da sala, em sua poltrona de couro - comida pelo tempo -  fumando um de seus vários cigarros.
      Aquela menina branca demais, obediente demais devia isso ao homem asqueroso e totalmente acima de qualquer suspeita que era o padrasto. Olhando-o de longe parecia um sujeito pacato; quase a fazia esquecer do dia em que levou sua mãe ao hospital marcada por mais uma de suas loucuras. A mãe, dali não saiu. Lembrava-se do cheiro do hospital de pequena cidade, que não obtinha os recursos que sua mãe necessitava. E ela, muito menos dinheiro para mudá-la de lugar. Um cheiro de morte.
      Voltou de seus devaneios com mais uma chama queimando no olhar acinzentado.
      - Me chamou? - Perguntou a menina.
      - Ora, ora. Já estava impaciente. Quero que vá até  mercado e me busque mais um maço de cigarros. Faria isso por mim? - O homem a sorriu.
      - Faço o que for necessário. - A menina deleitou-se em cada sílaba, sorrindo de volta.
      Saiu de casa arquitetando cada minuto de sua volta. Cada passo, cada tropeço. Cada vitória.
      No mercado comprou, além do maço, uma tesoura, um batom e uma faca de churrasco. Pagou tudo e fez o caminho de volta para casa saltitando e cantarolando uma música que sua mãe costumava lhe cantar.
      Chegou em casa, entregou o maço de cigarros ao seu tão odiado padrasto e disse que ia subir para banhar-se. No banheiro branco de tanta limpeza - que a própria menina fazia -, demoradamente tirou o resto das compras de sua sacolinha, pondo-as alinhadas em cima da bancada da pia. Pegou a tesoura e, encarando o rabo de cavalo pelo espelho, cortou-lhe da cabeça, deixando que os fios lisos e longos se espalhassem na imensidão branca do chão gélido. Logo, foi cortando o que restava de seu cabelo até que ficasse parecendo um menino, com cabelos curtos, pretos e bagunçados. Entrou para o banho e lavou-se com água fervendo; assim como estava seu corpo. Fervendo.
      Com toalhas também brancas secou-se e foi até seu quarto, tirando debaixo da cama um corselet vinho. Vestiu-se com ele, uma calça de couro preta, um salto alto, agitou os cabelos - agora curtos - com as mãos e sorriu. Voltou ao banheiro, pegou a faca e parou em seu espelho para observar-se novamente. Agora ela a desejava. Seus olhos eram de um azul cortante, como gelo. Mas gelo também queima. Agora ela tinha curvas. Agora ela era quem sempre quis ser. Ela inteira queimava.
      Desceu as escadas e observou o padrasto de longe, na poltrona, quase de costas para ela. Se aproximou lentamente, sem fazer barulho. Com as mãos, abraçou-lhe a cabeça e cochichou:
      - Boa noite, padrasto.
      Sem que ele pudesse responder, passou-lhe a faca pela garganta, observando o sangue quente e rubro que escorria sobre a camiseta suja de molho de tomate que ele vestia.
      Séria, ela observava enquanto o padrasto morria. Quando finalmente ele parou de se mexer estupidamente, ela pegou um cigarro do maço que jazia ao seu lado, manchando-o de sangue e acendeu-o, soltando uma baforada no rosto do morto. Subiu até o banheiro, e com uma risada, quase que maquiavélica, passou o batom escarlate nos lábios rachados.
      Foi assim que saiu andando pelas ruas escuras. Rindo. Chorando de rir.
      A boca manchada de vermelho, com o gosto da nicotina.

domingo, 9 de setembro de 2012

A vida faz crescer e aceitar.



     


      Me deparo com um fenômeno comum, mas que de tão corriqueiro me deixa assustada; acuada. No meio de tanta gente, há uma multidão solitária. É contraditório, mas faz o maior sentido. Quanto mais há pessoas em minha volta, mais isso fica claro. Essa falta, essa lacuna. São pessoas atarefadas demais, pessoas que não estão em dia nem com elas mesmas.
      Parece que quanto mais se tem uma vida simples, mais feliz se pode ser.
      Fecho os olhos e consigo me imaginar parada, estática, no meio da rua. Enquanto olho para os lados, as pessoas como se em câmera lenta passam esbarrando em mim - no ombro direito, depois no esquerdo. Pessoas que não me veem. Pessoas que não veem elas mesmas.
      O celular em punho, o passo apressado; e eu ali. Parada. Esperando.
      Me vejo cercada de gente, mas ninguém se nota, ninguém conhece nada. Ninguém conhece ninguém. Lembro vagamente daquele "como você está?" que recebi há alguns dias - mais vago que a lacuna que persiste em latejar. Espero ser notada.
      A lembrança diária de algo que falta é outra contradição. É como lembrar de algo que se esqueceu; ou que foi esquecido. A lacuna. O espaço em branco.
      Nesse lugar de ninguém, lembro desse ponto de interrogação; vivo presa em uma angústia que me deixa cada vez mais sem ar. E, no meio disso tudo, lembramos que agora somos adultos.
      Todos viramos adultos, e com isso, nos obrigamos a aceitar as coisas do jeito que são. E lá naquela avenida movimentada na qual eu estava parada, eu pisco demoradamente, pego meu próprio celular e saio andando, esbarrando. Sendo adulta; sendo conformada. Sendo como querem que eu seja.
      Na minha cabeça, a lembrança da infância feliz e completa; no coração, o baque da realidade, a lacuna e o sentimento de falta.
      No meu rosto, a maquiagem de adulto.
      O passo apressado.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Meu tão amado inútil.






   Sempre me disseram que guardo muitas coisas inúteis em casa, muitas bugigangas. E não é mentira, eu guardo mesmo. Guardo papel de bala, papeizinhos, lápis quebrado, enfim... coisas que não possuem utilidade nenhuma, senão, ficarem guardadas. Desde pequena me desapegar dessas coisas sempre foi uma tarefa dificílima. Só eu sabia o quanto doía jogar tudo aquilo fora.
      Hoje ainda tenho esse costume, e ainda é difícil me desfazer das tais bugigangas, mas acredito que isso tudo tem um motivo. Lá na minha infância mora uma lembrança muito especial relacionada a minha afeição por esses objetos. Eu tinha por volta de oito anos de idade e estava toda arrumada para levar meu pai no aeroporto. Nunca gostei de ver meus parentes indo viajar, sempre me deu uma insegurança, um medo; afinal eles não estariam mais sob meus olhares, meus cuidados constantes. Foi pensando nisso que sentei em minha cama olhando tudo que tinha em meu quarto. Olhei em volta e parecia que nada era especial o suficiente, nenhum era o objeto perfeito. Me levantei e fui até uma caixinha na qual guardava as minhas maiores bugigangas. Só as mais inúteis.
      No meio de tantos papéis, botões de roupa, miçangas e pequenos pregos, achei o objeto a qual procurava sem saber. Um mini-chaveiro composto por uma cordinha e uma bolinha pendurada, com o desenho de um sapo. Havia ganho em uma revista que lia sempre, era um brinde! Abri um sorriso de orelha à orelha e guardei-o no bolso. Chegando no aeroporto, tirei de onde havia guardado o chaveirinho e entreguei-o ao meu pai, pedindo que ele levasse na viagem.
      Esse era o meio que eu tinha de me manter com meu pai. Sempre.
      E é isso que faço até hoje, guardo tudo que me dão que não tem valor nenhum, pois assim como eu, essas pessoas também sempre estarão comigo pelos presentes que me deram, que aparentemente não possuem nenhuma utilidade.
      Hoje vou presentear alguém com um recadinho. Escrito em letra fina, corrida; feito à tinta azul. Nele estará escrito um "Eu te amo". Como lembrança. Como proteção.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

A nuvem, um algodão doce.




   

      Ela estava sentada em sua poltrona demarcada com o número 3F enquanto pensava na sorte que teve de, mesmo sem precisar pedir, ter pego um lugar na janela. O avião ainda estava parado enquanto a voz de algum dos comissários de bordo saía nos auto-falantes. A música que saía de seus fones de ouvido ainda continuava lá, criando uma espécie de trilha sonora para sua saída da cidade.
      De certa forma, aviões sempre significaram algo para ela. Como poder resumir certos sentimentos que estavam dentro dela sem precisar usar muitas palavras? Um avião. Isso resumiria tudo. Ele era a mudança, a liberdade, a saudade, o reencontro, a volta para casa. O vento que passava e levava tudo embora com ele.
      O avião estava partindo e pela pequena janelinha ela via cenas que imaginava desde pequena, mas que só viu a primeira vez que viajou pelo céu. Aquelas nuvens que mais pareciam algodão doce. Fechou os olhos e lembrou do sonho que tinha quando possuía apenas 5 anos de idade e as coisas eram fáceis, coloridas e encantadas. Ela saía pela janelinha com certo esforço e se jogava contra o vento. Os cabelos voavam-lhe na face enquanto caía de costas. Até sentir algo macio, uma nuvem gigante e fofinha que a enlaçava e a aconchegava. Poderia comer um pedacinho, se quisesse.
      Abriu os olhos novamente e viu que já estava aterrissando em sua cidade. Os sentimentos voltaram. Estava voltando para casa, voltando para quem amava. Para quem a amava de volta. O sentimento único que só o avião a proporcionava, dentre tantos outros.
      Chegando ao aeroporto, tirou os fones de ouvido, saiu do avião - como sempre se despedindo mentalmente com um "até mais" - pegou suas malas, e saiu porta afora do desembarque com um sorriso no rosto, olhando a multidão que sorria de volta - esperando todas aquelas pessoas que também estavam voltando, chegando, felizes e tristes. Olhou em volta e lá estavam as duas pessoas que a amavam incondicionalmente, abraçadas e sorrindo. A esperando.
      Chegou em casa. Feliz.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Aos que me ensinaram.

   

      Outro dia desses estava lembrando de alguns anos atrás. Pensei nos momentos desde meu colegial até o ensino fundamental e acabei lembrando de uma época muito especial que me fez crescer muito como pessoa. Vi coisas que não pensava existir; coisas das quais muitas vezes não gostei, mas que foram necessárias.
      Estava na sexta série do Ensino Fundamental e tinha acabado de chegar à Belo Horizonte. A adaptação estava sendo difícil, haviam muitas coisas das quais ainda não havia me acostumado. E no meio de toda aquela confusão descobri algo muito legal: um projeto social que a escola promovia. Qualquer um poderia participar se inscrevendo na secretaria; e assim o fiz.
      Nosso trabalho era basicamente entreter e ajudar. Na medida do possível levávamos alimento para os lugares mais carentes. Foi nessas indas e vindas de favelas e morros que conheci a pobreza, a fome e principalmente a simplicidade. Mas tenho de admitir que não foi nada fácil ver tudo isso.
      Lembrei das crianças de creches carentes pedindo "só mais um biscoito, tia". É claro que minha vontade era de dar quantos biscoitos ela quisesse, mas infelizmente, não podíamos, pois haviam mais umas cem crianças querendo comer; precisando, na verdade. E isso foi só uma parte do meu aprendizado. Eu me sentia tão bem vestida de palhaço, com várias crianças rindo atrás de mim, gostando dos bolos, biscoitos, pipocas e achocolatados que dávamos. Me sentia útil. Humana.
      Conheci além das creches, lares de adoção - nos quais as crianças elaboravam espécies de apresentações para mostrar seus talentos. Era duro ver na carinha deles, que esperavam receber um lar. Conheci em um desses lares, o João Victor, um garotinho de apenas dois anos de idade, moreno cheio de cachinhos e os olhos mais verdes e carentes que vi. Nos demos muito bem logo de início, ele não saía do meu colo, e eu não queria largá-lo. Pude, pelo menos por um dia, suprir a carência que transbordava naqueles olhos tristes, pidões.
      Em um outro dia fomos em uma casa de repouso. O que eu posso falar? Foi chocante. E extremamente emocionante. Aconselho todos a um dia, se puderem, ir à alguma casa dessa espécie. Porque? Nunca ouvi tantas histórias extraordinárias na vida! É engraçado porque esses senhores que vivem lá, se têm alguma família, não os dá o suporte necessário, e eles acabam assim, abandonados. Mas a maioria é bastante lúcida e conta histórias incríveis. Eles querem ser ouvidos, querem ter a quem contar suas vivências, adolescência, paixões... assim como qualquer um de nós!
      Foi assim que conheci a experiência de um idoso que só queria alguém para ouvi-lo e a inocência de uma criança que, independente de provavelmente te ver um dia em toda a sua vida, aproveita cada segundo do que você pode proporcionar à ela.
      Não foi uma experiência fácil. Várias foram as vezes que voltei para casa derramando lágrimas; não sabia ao certo se de tristeza - por haver tal tipo de coisa - ou de alegria - por ter tido a chance de trazer alegria, um dia se quer, na vida dessas pessoas. Acho que isso me tornou uma pessoa mais forte, realista. Uma pessoa mais agradecida ao que tenho.
      Posso dizer que aprendi com essas pessoas maravilhosas que passaram na minha vida; e sei que muitos deles não lembram de mim, mas gostaria de agradecer a todos eles por terem me ajudado a amadurecer. Aconselho à todos que querem uma realização como pessoa, a fazerem trabalho social.
      É incrível. É humano.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Ao vento te jogarei, amor.

   




      Acredito piamente que é difícil falar de amor ou de assuntos emocionais, aqueles voltados totalmente ao sentimental. Afinal, não são todos que conseguem, ao menos, pensar a respeito do amor. Há quem ache um assunto tão clichê, que não merece mais ser tratado, mas bom, eu acredito que há muitas pessoas que falam sobre o amor, mas nunca o tratam como ele realmente é. O amor não é algo fácil, que se conquista rápido. Ou pelo menos assim eu acredito com meus dezenove anos de idade.
      É muito claro para mim ao fazer a leitura de um texto, definir de que mal a pessoa está sofrendo: Paixão ardente ou desilusão amorosa. O primeiro caso irá falar de amor à primeira vista - que na minha percepção não existe - e no segundo caso, a pessoa irá falar que o amor em si, ou não existe, ou está se escondendo em algum lugar.
      É como digo, eu sou muito nova, mas hoje tenho uma percepção - não muito nítida, devo admitir - de que o amor é algo que está relacionado com convivência, superação e batalha. Vejo o amor da seguinte forma: começa como um projeto, que vêm sendo trabalhado diariamente com muito empenho, e de repente... puft, surge a mais bela forma de sentimento, o mais belo resultado de muita paciência e dedicação: o amor.
      Não sei se consigo ser clara, afinal é um assunto tão subjetivo que as palavras fogem. Caro leitor, me imagine neste momento tão nervosa para tentar explicar meu ponto de vista, que as minhas mãos não param de se mexer, articulando. Enfim, cheguei a conclusão de que o amor é bonito, mas até chegar a esse ponto, de amar alguém, a batalha é feia, com muitas discussões e muitas horas gastas pensando na melhor maneira de compreender as atitudes do companheiro.
      Acho engraçado o fato de existir um filme que é tiro e queda para descobrir os apaixonados. Assista algum dia 500 Dias com Ela, ou 500 Days of Summer, como preferir. É um filme tão realista que choca os mais emotivos, e deixa um sorriso nas pessoas que são um pouco mais racionais, entendem que nada é perfeito e nada é para sempre, como já dizia Cássia Eller. Eu sorri.
      Com algumas experiências - e isso independe da idade, quero deixar claro - vamos percebendo que a paciência, talvez, possa ser a chave de tudo. Não digo que o amor deva ser algo pensado demais, calculado demais. Isso o deixaria frio, sem sentido. Mas acho também que o amor não deve ser algo totalmente emotivo, caso contrário, a impulsividade reinará. Consegue me entender? Tá ali, no meio termo. Nem um, nem outro. Ou melhor... ele é um pouco dos dois! O amor é sim, impulsividade, emoção, euforia, tanto quanto é frieza, manipulação e controle. É só saber a dosagem certa.
      E é no final deste texto que chego a conclusão de que eu estava correta na primeira frase do texto. O amor é algo difícil de se retratar. Parece até que essa confusão de palavras com algum sentido - ou nenhum, vai de cada um compreender - foi mais algo para mim. Este texto, leitor, desculpe-me, mas é somente eu tentando colocar os pensamentos em ordem.
      Por mais que eu queira entender, ainda há muita ciência por trás dessa pequena palavrinha com tanto significado do que me agradaria. Mas e você - se me permite - já tentou colocar os pensamentos em ordem hoje? Vamos lá, invente algumas palavras, e jogue ao vento!
      No momento joguei o amor. Ao vento.
   

terça-feira, 26 de junho de 2012

O vermelho do beijo.

   




       Quando abriu os olhos naquela manhã escura, já sabia que não deveria ter acordado. Piscou uma, duas vezes, até que virou-se para o lado, contemplando o quadro abstrato que repousava na parede branquíssima do seu quarto. Bocejou.
      Pensou mais uma vez se não seria melhor ficar deitada, afinal já sabia os planos que tinha para o dia de hoje. Bocejou de novo e decidiu levantar-se. Iria cumprir o que estava para fazer, mas sem antes escovar os dentes. Odiava aquele gosto na boca, de ferro.
      Foi até a cozinha e observou toda aquela mansão na qual residia. As paredes eram todas em tons de cinza e branco neve, os móveis eram em um estilo futurista, muito acrílico e inox. A lareira havia sido deixada acesa na madrugada anterior por seu marido, e por isso a sala emanava um calor gostoso para o dia que se apresentava pelos vidros panorâmicos de toda a sala.
      Fez seu café da manhã e sentou-se à mesa olhando para o relógio, contando os minutos para seu marido descer as escadas e encontrar-se com ela, o que não tardou a acontecer.
     
      - Bom dia, querida. - Um beijo na testa com um sorriso em resposta.
      - Senta pra tomar café comigo. - Falou ela com sua voz suave, quase aveludada.

      Ela vestia uma bela camisola longa cor de champagne com um decote profundo entre os seios e amarrado com uma luxuosa fita de cetim nas costas. O marido sentou-se de frente para ela, do outro lado da mesa, ornando um sorriso permanente de canto de boca, coisa que a irritava profundamente, tendo em vista que esse era o exato sorriso que ele usava para persuadir os homens da alta sociedade que estavam sempre a sua volta, o rondando pelas suas aquisições.
      Ele a olhava nos olhos, com aquela luxúria estampada em suas pupilas, que mais pareciam de um felino. Era ágil, atlético, vestia somente uma boxer de cor branca, mostrando o peitoral e abdome bem definidos. Ainda possuía aquela cor bronzeada que a fez se apaixonar a primeira vez que o viu. Piscou voltando sua cabeça para o prato logo abaixo. Sentiu dor no estômago e gemeu.

      - Sabe, meu amor, conheço esse gemido. - O marido foi se aproximando e a beijou em um dos ombros desnudos enquanto a esposa agonizava de dor.

      Aquilo não estava nos planos da mulher, que já estava com a faca na mão pronta para fazê-la atravessar o peito e o abdome perfeito do marido. Agora ela sentia uma dor esquisita no estômago, algo queimando. Estava certa de que não era azia.
      O marido pegou-a no colo com uma risada nasalada e deitou-a no tapete felpudo de pelo de ovelha da sala. Ela virou a cabeça para o lado, sentindo um baque na nuca. Fechou os olhos e abriu lentamente, sentindo a dor aumentar. O marido só a encarava com os olhos azuis fuzilantes e o sorriso irritante nos lábios. Ela parecia não ter mais voz.

      - Querida, não há mais espaço para você aqui. Nunca houve. - E ria cada vez mais, enquanto a mulher sentia algo sair de sua boca, algo líquido.

      A mulher, com a cabeça virada para o lado, tinha a visão das taças de vinho, sujas na noite anterior, e de fundo, o fogo. As chamas pareciam dançar lentamente e ela permanecia com os olhos parados, olhando-as. Lembrou-se da faca em sua mão, e percebendo que esses seriam seus últimos atos, enfiou-a no abdome do marido, que gritou.
      Ela nem ao menos virou para o lado, o gosto ferroso que vinha sentindo agora parecia mais intenso, junto com algo mais doce, o gosto da vingança. Sentiu que o marido agora tossia e se aproximava dela, até que conseguiu olhá-la nos olhos. Ele continuou com o sorriso débil estampado, mas dessa vez o sorriso possuía o vermelho incontestável do sangue.
      O homem, ainda sorrindo, encostou sua testa na dela, e com um suave toque a beijou onde o veneno escorria. Ela já não tinha muitos dos sentidos, mas pode vê-lo e sentir seu beijo, suave, mortífero.

      - Você nunca terá meu coração. Até breve, querido. - Ela disse com suas últimas forças, antes de mergulhar na extrema escuridão.
     

terça-feira, 5 de junho de 2012

They say it changes when the sun goes down



      Tenho sentido as coisas mudando rápido demais. Não que elas não tenham que mudar, nem que começaram a mudar agora, mas talvez eu nunca tenha percebido o tanto que as coisas simplesmente deixam de ser as mesmas.
      O que me chateia é que as conversas mudaram, as pessoas mudaram, eu mudei e você também. E só hoje acordei e percebi que na realidade, tudo que eu fiz até hoje foi mudar. Perceba porque:
      Bom, eu sou natural de Porto Alegre, acostumada a ficar na casa da minha vó, acostumada com uma rotina bem comum para uma criança. Acordava cedo, meus pais me levavam para a casa de minha vó materna, almoçava, ia para a escola, voltava, fazia os deveres e logo já era hora de ir para minha casa; dormia, e fazia tudo de novo. Até que certo dia recebi uma notícia que mudou minha vida. Minha primeira mudança. Eu iria morar em outro estado, particularmente longe do meu. Fui para Minas Gerais.
      Como minha rotina mudou, eu mudei; sem contar que estava me tornando uma adolescente a essa altura do campeonato. Em Minas não descobri logo de cara a pessoa maravilhosa que é o mineiro; convivi com pessoas arrogantes em uma escola na qual eu era, definitivamente, um patinho feio. Ou talvez não, eu era só diferente. E conforme o passar de um ano, mudei de novo. Segunda mudança. Conheci pessoas incríveis - das quais me comunico até hoje - e aprendi o real sentido de simplicidade, humildade e amizade. Com essas pessoas eu aprendi que independentemente das diferenças, podemos criar grandes amizades.
      Como se em um piscar de olhos, eu conheci muitas pessoas, muitos amigos e outro baque me veio 4 anos depois. Eu iria para São Paulo, a terra da garoa, dos prédios enormes, pessoas atarefadas e, principalmente, do trabalho. Foi minha terceira grande mudança.
      Em São Paulo, talvez, eu tenha sido a pessoa que mais se destonou do meu eu. Ainda vivo nessa grande cidade, mas alguém lá dentro - talvez minha alma - resolveu que não seria bom pra mim se eu continuasse nas sombras, com medo e uma revolta que mal cabia no peito, assim como eu fiz no meu primeiro ano. O tempo foi passando e claro, eu fui, como de habitual, mudando. Conheci pessoas maravilhosas - das quais ainda não sei se posso afirmar certamente de que continuarei a me comunicar pro resto da minha vida - e que, de certa forma, me fizeram perceber que sim, a vida de São Paulo é individualista, mas ainda existe a amizade e amor, mesmo que de uma forma meio torta.
      Onde eu quero chegar é que a mudança ocorre. Mas ainda não sei ao certo se gosto. Houve uma época na qual eu ansiava a mudança. Precisava conhecer, saber, cheirar, sentir, provar.. tudo novo! Acontece que hoje me vejo triste por certas coisas serem tão facilmente mudadas; assim como uma pessoa. Talvez nem a pessoa em si, mas a maneira como ela te trata, a maneira como você percebe essa pessoa. As vezes é até coisas, puramente, da minha imaginação, que me prega peças que só outro texto para poder contar-te. Digo... você percebe quando uma palavra ou um gesto que antes era de costume entre duas pessoas começa a se esvair. Ele está ali, tão tocável, tangível... e aos poucos vai se tornando uma fumaça; você ainda pode vê-lo, mas tocar já é difícil... até o dia que você percebe que, quase imperceptivelmente, ele se foi.
      Essas mudanças são definitivas, e isso me causa medo. É por isso que sinto saudades, talvez... Uma saudade excessiva. Minha cabeça funciona sempre calculando minhas mudanças; e claro, das pessoas a minha volta.
      Eu não queria mudar. Eles dizem que isso muda quando o sol se põe...

      Minha quarta grande mudança diária.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Broken Crown

      


      Convivo com basicamente todo tipo de pessoa, mas antes de abrir meus olhos, e ainda mais comprometedor, minha boca, irei falar de mim. Um tipo normal dentro do anormal; sou formada de teimosia, e se me permite, leitor, que crie uma palavra, cabeça-durecência. Não poderia deixar de falar da minha raiva, que se apossa de mim diversas vezes. Cabelos compridos escuros e pele de doce-de-leite; essa sou eu, a música. 
      Agora podemos falar de outros tipos de pessoas, já me apresentei. Sou muito próxima do livro, que é muito sincero, mas oculto. Não é como eu, que falo até para os que não querem me ouvir. O livro espera para ser decifrado, não gosta de muitos contatos com quem não o conhece. Ama um café... até porque são extremamente combinantes. 
      A caveira é irreverente. Fala muito, mas é bom ouvi-la falar. Gosta de chocar, e se conhecê-la bem, verás que é muito querida, só é arisca; deixa quem quiser se aproximar, mas não garante que não fugirá.. 
      Agora, falaremos do camaleão. Essa figura é engraçada, pois pode ser de tudo! Engraçado, sério, emotivo, seco, áspero e suave. Depende de quem o fala e do momento. Extremamente maleável, por isso exige cuidados redobrados. 
      A estrela brilha. Um brilho natural. De início você pode até não gostar de seu jeito. Muito vistoso, seu brilho pode causar dúvidas sobre sua veracidade, mas depois percebe-se que sim, ela brilha simplesmente por ser ela. Um brilho simples.
      Ficaremos um pouco mais tristes agora pois temos algumas pessoas que se denominam pedras. Elas auxiliam os papéis a não voarem, mas só. Não interferem em nada, só estão ali, existindo. Talvez nem diria existindo... sendo, somente. Afinal só os que PENSAM, existem. 
      E o último tipo - que encontramos algumas vezes na vida e aprendemos a lidar - é a coroa. Essa possui um brilho falso, deve sempre ser polida, caso contrário mostra seu lado verdadeiro, o fosco. Gosta de aparecer, estar no topo - não é atoa que fica na cabeça de alguns - e, de preferência, estar acima de outras pessoas. É perigosa e acredita ser símbolo de poder, mas depende de outros para aparecer. É quase um parasita. Mas sua necessidade é somente essa, aparecer, ser mais vista... sempre com aquele brilho estalado de algo que foi porcamente polido. 
      A música tem pena e sente pela coroa. 

terça-feira, 22 de maio de 2012

Feita de saudade

   


      Saudade: Lembrança grata de pessoa ausente ou de alguma coisa que alguém se vê privado.

      Acabei usando essa palavra tantas vezes, que por um momento quase esqueci o seu real significado; o sentimento era muito mais real, muito mais tangível. São tantas coisas que passaram, mas que de certa forma não se foram, que não consigo pensar em palavra melhor para descrever um momento, uma vida. Minha vida.
      Acredito não ser a única pessoa que vive de passado, afinal, é ele que faz de mim o que eu sou, não é? Não entendo pessoas que conseguem falar a frase inteira até o final, sem ter uma pontinha de dúvida: "Quem vive de passado é museu". Eu sou feita de passado. Minhas lembranças são, praticamente, tudo o que tenho. Me pego pensando sempre em algo quase nostálgico, em uma saudade que não passa. Uma ânsia, um certo desespero. Sinto saudade até do que ainda tenho comigo, do que ainda posso sentir, ver.
      Às vezes penso que nem sei mais do que sinto saudade, só sinto. Não posso dizer que sinto um vazio, uma dor. Isso é genérico demais. Eu sinto falta de algo, de tudo talvez. Saudade. E isso não dói; incomoda, como uma dor de cabeça, que na verdade nunca foi dor. É o incômodo que martela num ritmo tão constante, que se você ficar no silêncio, irá perceber que ele ritmiza seus pensamentos.
      Esse é o meu defeito, nunca consigo ver o presente. Porque será que ele é tão cismado em esconder-se de mim? Não o vejo em parte alguma! Tudo o que vejo é passado, lembranças, sentimentos. Talvez a saudade constante que sinto seja dessa parte instantânea, do presente. Que nesse exato momento já se torna passado, a saudade. Me vejo nesse ciclo que não irá parar até que eu tome um comprimido para "dor de cabeça". Quem sabe o ritmo insistente, latente, não se dissipe?
     Eu vivo disso, sou feita disso. Saudade.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Úteis Fones de Ouvido





     
       A imagem que eu via no momento era dos meus pés fazendo a dança de sempre. Um pé após o outro, no meu caminho de volta para casa. Eu me movia conforme a trilha sonora que saía dos meus fones de ouvido.
      A batida era marcada, ritmando meus passos, que ficavam cada vez mais cravados. A música sempre fora considerada um refúgio, e na rua, isso ficava claro. Eu usava fones de ouvido pois assim ficava mais fácil pensar. Nada, nem ninguém, atrapalharia os pensamentos e as ilusões que a música me trazia. É tão mais fácil simplesmente não ouvir uma pergunta, a ter de respondê-la; não ouvir o pedido de esmola ou o próprio irritante barulho que meus passos faziam. Aquele zumbido dos carros.
      Eu ouço música. Optei por esquecer o real e ouvir poesia. Ouvir aquilo que me trazia conforto, uma paz. Mas por quê o sentimento de que aquilo era errado persistia? Eu estava ignorando o que estava na minha frente. Inclusive a resposta.
      Ainda usava os fones de ouvido, porém por conta de meus próprios devaneios, não percebi que a música havia parado de tocar, e eu andava descompassada. Ou melhor, meus passos seguiam o ritmo do instrumento que um vendedor de algodão doce usava para chamar atenção das crianças da rua. Olhei-o, e ainda usando meus fones de ouvido, vi-o sorrir para mim. Um sorriso simples, mas foi por ele, que pela primeira vez percebi o tanto que um sorriso poderia ser triste.
      Abri a bolsa, peguei um real, e pedi um algodão doce de cor azul. O vendedor sorriu de novo, e disse um singelo "Obrigado", com olhos de quem declarava, na verdade, que era grato pela comida que conseguiria comprar.
      Só então percebi que já era hora de tirar meus fones de ouvido.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Tempo ao tempo

   

     "Um dia frio, um bom lugar pra ler um livro. E o pensamento lá em você...", assim dizia Djavan. É engraçado como parece aconchegante essa ideia de um dia de frio, uma manta quente, um copo de café fumegante, um livro, e o principal, um amor. Mas a realidade é tão calculista que chega a ser cruel. Sinto saudade do tempo que ainda tinha TEMPO para fazer todo esse tipo de coisa.
      A vida é corrida, são cada vez mais coisas para fazer, prazos curtíssimos, tudo se resume a um tic-tac, tic-tac constante. É claro que isso já é rotina; esse reloginho mental não irá se desfazer, está lá implantado para toda a vida. Passamos correndo contra o tempo... mas e a felicidade? Será que estamos fadados a viver correndo contra o tempo para chegar no final e tudo se resumir à uma corrida? Aos dias gastos dedicados unicamente ao estresse? Gosto de pensar que ainda temos como reverter isso, que ainda há tempo para o dia frio, o lugar pra ler e o amor que ocupa os pensamentos.  
      Sinto falta de poder sentar e ler um ótimo livro, com gosto, terminá-lo em poucas horas. Acho que conforme vamos evoluindo, crescendo, vamos perdendo tempo. E não é no sentido de envelhecer, e sim do não sobrar tempo para fazer o que não é rotina. Fechamos cada horinha das 24 que tempos com compromissos, e assim, só nos resta 8 horas -saudáveis e recomendáveis por cientistas - para dormir.
      Por fim se percebe que o tempo só precisa de tempo. Acredito que também temos que ter algo pra ocupar a cabeça que não sejam contas, trabalho e problemas. Vamos sofrer com um drama, sorrir com uma comédia e se apaixonar com um romance! Principalmente se apaixonar! Precisamos de mais paixão, mais doce e menos amargo! Aquele dia frio.
      

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Eu era Alice

      Outro dia estava eu, sentada no meu lugar de sempre na sala, enquanto meu professor falava sobre qualquer coisa. Até que ouvi-o dizer: "Lembrei de você quando li essa crônica", enquanto apontava o dedo na minha direção. Admito que naquela hora, e só naquela hora, acordei. 
   
      A crônica era a seguinte:





PARA MARIA DA GRAÇApor PAULO MENDES CAMPOS DO LIVRO O AMOR ACABA



Quando ela chegou à idade avançada de 15 anos eu lhe dei de presente o livro Alice no País das Maravilhas.
Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti. Escuta: se não descobrires um sentido na loucura acabarás louca. Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucuras. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da realidade. A realidade, Maria, é louca.
Nem o papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: "Fala a verdade, Dinah, já comeste um morcego"?
Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. "Quem sou eu no mundo?" Essa indagação perplexa é o lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira.
A sozinhez (esquece esta palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: "Estou tão cansada de estar aqui sozinha!" O importante é que ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. "A porta do poço!". Só as criaturas humanas, nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados, conseguem abrir uma porta bem fechada e vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.
Somos todos tão bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial, e tens a presunção petulante de esperar dela grandes conseqüências.
Quando Alice comeu o bolo, e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso o que acontece geralmente às pessoas que comem bolo.
Maria, há uma sabedoria social ou de bolos; nem toda sabedoria tem de ser séria ou profunda.
A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir desculpas sete vezes por dia: "Oh, I beg your pardon!" Pois viver é falar de acordo em casa de enforcado. Por isso te digo para a tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto de vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice: "Gostaria de gatos se fosse eu?"
Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política, nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados, todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos, que, quando os corredores chegam exausto a um ponto, costumam perguntar: "A corrida terminou! Mas quem ganhou?" É bobice, Maria da Graça, disputar uma corrida se a gente não conseguirá saber quem venceu. Para o bolso: se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupes com a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se chegares sempre onde quiseres, ganhaste.
Disse o ratinho: "Minha história é longa e triste!" Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: "Minha vida daria um romance." Ora, como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois um romance é só o jeito de contar uma vida, foge, polida mas energicamente, dos homens e das mulheres que suspiram e dizem: "Minha vida daria um romance!" Sobretudo dos homens. Uns chatos irremediáveis, Maria.
Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: "Devo estar diminuindo de novo". Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crecer novamente.
E escuta está parábola perfeita: Alice tinha diminuíndo tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida toda uma quantidade imensa de camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem-disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nosso domínio disfarçado de camundongo. Mas como tomar o pequeno por grande e o grande por queno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom humor. Toda pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa médica para o humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixa preciosa, muito escondida, para as grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de sofrimento ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.
Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com uma tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um um lago, pensava: "Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas".
Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida: É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça.

      Quem diria? Eu estava, realmente, no País das Maravilhas.