segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O tempo voa.

   





      Outro dia eu estava pensando sobre o tempo. Quando aprendemos sobre a Língua Portuguesa, ou mesmo Literatura, sempre nos indicam palavras ou expressões vindas do latim. Uma dessas várias ficou grudada em minha mente. Como um mantra qualquer; mas com um significado maior que tudo que já havia visto. Tempus Fugit. O tempo foge; o tempo voa.
      Como algo pode ser mais sincero? É como se a verdade estivesse estampada ali; tão clara e sublime. O tempo não espera, e sendo assim, penso no tempo que eu tenho. Penso em como o tempo foi injusto para um certo alguém. Penso que o tempo não perdoa.
      Eu, caro leitor, não posso culpá-lo. Afinal, o tempo já impunha suas regras desde que eu estava aqui, não foi? O tempo passa, como um sopro, e ele é tão imperceptível que chega a ser aflitivo. Eu não consigo deixar de pensar quanto tempo nós temos.
      Talvez eu pense que gastamos tempo demais; perdemos uma faísca de vida quando percebemos que estamos deixando o tempo, esse vento cruel, passar por nós enquanto fazemos coisas das quais não queremos. Talvez eu devesse ficar mais com quem eu ame; talvez eu devesse conhecer o máximo que eu puder; talvez eu devesse me preocupar menos com o próprio tempo.
      Quando uma alma se vai, e você se depara com a realidade de que o tempo dela acabou, é inevitável se perguntar se ela realmente fez tudo o que ela queria da vida. Talvez nós nunca vamos realizar tudo o que queremos antes de nossa chama vital se apagar; afinal, se deixarmos de sonhar, de planejar um futuro, estamos deixando de viver. E estaremos deixando que apenas o tempo nos deixe para trás.
      Sinto uma tristeza tão miúda no meu peito, que quase não percebo; mas ela é latente. Corta. Dói. E quando nós simplesmente não podemos fazer o que queremos antes que o tempo passe? Vê? É quase imperceptível, mas aquela fagulha está ali, machucando. Eu gostaria de gastar meu tempo aproveitando o máximo minha família, antes que o tempo simplesmente estale seus dedos magros e impiedosos e eu fique com uma lembrança. Nada além disso. É quase doentio.
      O vento. A faísca. A vida.
      Tempus Fugit.
   
   

sábado, 13 de abril de 2013

In violent times.

   

Hoje pensei no destino. No meu destino. Percebi que a vida é como uma vela acesa; é tão linda, mas tão frágil, que no mínimo dos assopros aquela faísca que ali existia se esvai - e com aquela incandescência que uma hora foi cheia de vida, se vai também sua beleza. Será que esse fio de vida, aquela chama instável, é regida pelo destino? Ou é, também, regida pelos assopros acidentais?
      De repente, no meio de todos os meus pensamentos acerca do que é destino e o que é acidental na vida das pessoas, me sinto acuada. Sentada no tapete do meu quarto, percebi o quanto a vida é instável. Uma hora está tudo ali: a certeza de estarmos vivos, a sensação tangível da carne, pele, vivências; e em uma outra hora, a única certeza que temos é que a qualquer momento alguém fecha os lábios e assopra. E puft - tudo se foi.
      Tenho um sentimento de que tudo que passamos na vida nos ensina algo. Claro, quando a vida nos aperta, nos deixa com aquele sentimento tão próximo de um assopro, não conseguimos ver, atrás da sobra cegante dos problemas e mais problemas, que aquilo é uma vivência; um aprendizado. Quando tudo passa, a vista clareia, e vamos percebendo a fumaça antes existente se esvaindo; paramos, sorrimos.
      Passei tempos cega por essa tal nuvem, essa sensação de não ver um palmo além do que está nas fuças.  Logo que tudo isso passou, pude ver o que queria me dizer esse tempo todo. No final, isto foi um ensinamento que não se dirigiu só a mim, mas a todos que se viram no meio da mesma fumaça.
      O que aprendi foi que, infelizmente, não sou eu que detenho controle sobre a minha vida. Sobre a minha existência. É amedrontador saber que hoje, o nome Marina Rappa Neves sou eu; são meus cabelos escuros, são minhas manias, são meus filmes e músicas preferidos, são meus defeitos - todos eles, e amanhã esse nome pode ser uma lembrança que alguns terão de mim. E não eu. Meu nome amanhã pode ser uma fotografia.
      Creio que tenho uma visão muito ocidental da morte. Tenho medo. A pura verdade é que eu morro de medo de tudo que é desconhecido; eu enfrento, mas o sentimento de não conhecer o que está por vir, da escuridão adiante, da tal cegueira, é aquele tipo de medo que você sente subir pelo dedão do pé, e que quando chega no peito e ali não cabe mais, você percebe que deve respirar, pois está sem ar.
      Tenho medo da dor.
      Talvez seja só uma visão minha, ou talvez, leitor, você não esteja fazendo ideia do que falo - pois logo perceberia que isso tudo não se passa de ideias que vêm e se vão na minha cabeça. O que eu, em certo momento de lucidez, percebi foi que a vida é algo tão efêmero quanto a chama vívida de uma vela. Uma hora, por descuido - ou destino - ela se apaga.
      São tempos difíceis.
      Tempos de aprendizado.
      

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Aprendi a amarrar um tijolinho no calcanhar.








      O ano está chegando ao fim, e com ele, chegam as retrospectivas. Eu, assim como qualquer pessoa, parei alguns minutos - ou talvez horas - para pensar em tudo que se passou no ano que está se findando. O resumo, bem resumido, é que este foi, sem dúvidas, um ano difícil.
      Cheguei à conclusão de que este foi um ano pesado, como se eu carregasse um tijolo amarrado ao meu calcanhar. Eu sigo em frente, mas o peso está ali, incomodando. Acontece que foi este bendito tijolinho que me ensinou algumas coisas que estavam precisando ser aprendidas por mim.
      Não, eu não vou dizer que finalmente aprendi a deixar pra trás o que me prende, ou que aprendi a dar valor às coisas quando as tenho na mão. São coisas que ainda sonho em conseguir, e bom, estou trabalhando duro para chegar lá. Mas aprendi que, no fim, é nisso que tudo se resume. Buscar, sempre buscar.
      É por isso que desejo para todos que gastaram, ou que gastam, um tempinho para ler meus textos sempre que os posto, e para quaisquer que sejam os que entram por engano, um ano novo cheio de buscas. Desejo um ano novo com muitos encontros também; encontrem-se! Encontrem algo que os caracterize.  Que o próximo ano seja um ano de aprendizado, assim como foi o meu; um ano cheio de dificuldades que nos fazem crescer. Desejo a cada um, um tijolinho. Não precisa ser grande, mas que seja significativo o bastante para ensinar; para que o ano não se passe sem grandes emoções.
      Sempre que me deparo com uma situação difícil, tento me conscientizar de que elas precisam existir para que logo depois, quando tudo se acertar, - e se acerta! - eu possa ficar feliz novamente. A felicidade só existe por causa da tristeza e vice-versa. Viver é isso; ir aos máximos, não ficar no morno. Ano que vem eu desejo intensidade.
      Que todos possam descobrir o que lhes falta, fazer uma listinha, e ir atrás disso tudo. Acredito que podemos nunca alcançar todos os objetivos que traçamos para nós, mas buscando sempre atingi-los, estamos, com certeza, dando o nosso melhor. E isso significa que a cada passo, com o tijolinho ali, estamos crescendo. Transcendendo.
      Busquem!
      Boas festas, bons tijolinhos e até ano que vem,



      Marina Rappa.
   

domingo, 28 de outubro de 2012

Responderia sim.







      Nunca soube ao certo se acreditava ou não no destino; aquele traço que nos é dado antes mesmo de nascermos, e que não há a possibilidade de refazê-lo. Mas outro dia tive a comprovação de que, pelo menos, alguns momentos de nossa vida aparecem porque estavam escritos assim. Deveria acontecer exatamente daquele jeito; sem tirar, nem pôr.
      Fui assistir a uma peça de teatro outro dia e tive a nítida impressão, ao ir embora, de que estava exatamente no local onde eu deveria estar. A peça falava, basicamente, sobre morte. E na morte, nada mais comum que pensar na vida. Foi o que eu fiz.
      Estava a atriz no chão, encenando um suicídio, enquanto uma outra pousava sua cabeça delicadamente ao lado do ouvido da "morta". Foi quando eu a ouvi dizendo: "Se eu te desse uma oportunidade, só uma, de viver de novo tudo o que você viveu, com as mesmas felicidades, as mesmas tristezas... tudo igual. Você toparia?". Me peguei gritando mentalmente que sim.
      Cheguei em casa e pensei diversas vezes sobre tudo que havia se passado na minha vida; as mudanças, as felicidades e, principalmente, as tristezas. É engraçado e até mesmo clichê pensar que se não fosse tudo isso que vivi, eu não saberia o que sei hoje; eu não seria quem sou.
      Tenho esse sentimento saudoso pelos tempos passados, mas pensava que o que havia acontecido comigo até esse exato momento era, em certas partes, triste. Foi no meio desse paradoxo que percebi que, se sinto saudade, é que tudo que me aconteceu foi bom. É a questão de você conseguir o que precisava, não o que queria.
     Eu precisava aceitar que tinha que crescer, precisava amadurecer. Perceber que as coisas na minha volta eram boas. Foi como uma lição; um aviso. Se você começa a pensar que as coisas que te aconteceram foram ruins, tudo perde sentido, você fica preso em uma condição de vítima. É aí que aparece aquela bola de neve - quanto mais vitimizado se é, mais parece que o mundo conspira contra você.
      Me senti como em uma manhã de chuva, quando você abre os olhos de um pesadelo e percebe que tudo está bem, está no lugar que sempre esteve, e que o monstro, na realidade, não existe.
      Abri meus olhos. A vida continuou do mesmo jeito de sempre, com um único porém...
     
      A vida fazia sentido.
   

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Gelo que queima.






      Se vestiu como de costume; um vestido florido logo abaixo dos joelhos sem carne, uma sandália baixa branca e o laço discreto, feito de cetim rosa claro, nos longos cabelos pretos. Enquanto se olhava demoradamente no espelho, analisando todas as suas não-curvas, o padrasto gritava-lhe o nome no andar de baixo. Deu uma última olhada no fundo dos próprios olhos; cinzas, sem vida, azuis um dia em sua vida.
      Desceu as escadas quieta, e de rabo de olho observou o padrasto que já estava em seu lugar corriqueiro, no canto da sala, em sua poltrona de couro - comida pelo tempo -  fumando um de seus vários cigarros.
      Aquela menina branca demais, obediente demais devia isso ao homem asqueroso e totalmente acima de qualquer suspeita que era o padrasto. Olhando-o de longe parecia um sujeito pacato; quase a fazia esquecer do dia em que levou sua mãe ao hospital marcada por mais uma de suas loucuras. A mãe, dali não saiu. Lembrava-se do cheiro do hospital de pequena cidade, que não obtinha os recursos que sua mãe necessitava. E ela, muito menos dinheiro para mudá-la de lugar. Um cheiro de morte.
      Voltou de seus devaneios com mais uma chama queimando no olhar acinzentado.
      - Me chamou? - Perguntou a menina.
      - Ora, ora. Já estava impaciente. Quero que vá até  mercado e me busque mais um maço de cigarros. Faria isso por mim? - O homem a sorriu.
      - Faço o que for necessário. - A menina deleitou-se em cada sílaba, sorrindo de volta.
      Saiu de casa arquitetando cada minuto de sua volta. Cada passo, cada tropeço. Cada vitória.
      No mercado comprou, além do maço, uma tesoura, um batom e uma faca de churrasco. Pagou tudo e fez o caminho de volta para casa saltitando e cantarolando uma música que sua mãe costumava lhe cantar.
      Chegou em casa, entregou o maço de cigarros ao seu tão odiado padrasto e disse que ia subir para banhar-se. No banheiro branco de tanta limpeza - que a própria menina fazia -, demoradamente tirou o resto das compras de sua sacolinha, pondo-as alinhadas em cima da bancada da pia. Pegou a tesoura e, encarando o rabo de cavalo pelo espelho, cortou-lhe da cabeça, deixando que os fios lisos e longos se espalhassem na imensidão branca do chão gélido. Logo, foi cortando o que restava de seu cabelo até que ficasse parecendo um menino, com cabelos curtos, pretos e bagunçados. Entrou para o banho e lavou-se com água fervendo; assim como estava seu corpo. Fervendo.
      Com toalhas também brancas secou-se e foi até seu quarto, tirando debaixo da cama um corselet vinho. Vestiu-se com ele, uma calça de couro preta, um salto alto, agitou os cabelos - agora curtos - com as mãos e sorriu. Voltou ao banheiro, pegou a faca e parou em seu espelho para observar-se novamente. Agora ela a desejava. Seus olhos eram de um azul cortante, como gelo. Mas gelo também queima. Agora ela tinha curvas. Agora ela era quem sempre quis ser. Ela inteira queimava.
      Desceu as escadas e observou o padrasto de longe, na poltrona, quase de costas para ela. Se aproximou lentamente, sem fazer barulho. Com as mãos, abraçou-lhe a cabeça e cochichou:
      - Boa noite, padrasto.
      Sem que ele pudesse responder, passou-lhe a faca pela garganta, observando o sangue quente e rubro que escorria sobre a camiseta suja de molho de tomate que ele vestia.
      Séria, ela observava enquanto o padrasto morria. Quando finalmente ele parou de se mexer estupidamente, ela pegou um cigarro do maço que jazia ao seu lado, manchando-o de sangue e acendeu-o, soltando uma baforada no rosto do morto. Subiu até o banheiro, e com uma risada, quase que maquiavélica, passou o batom escarlate nos lábios rachados.
      Foi assim que saiu andando pelas ruas escuras. Rindo. Chorando de rir.
      A boca manchada de vermelho, com o gosto da nicotina.

domingo, 9 de setembro de 2012

A vida faz crescer e aceitar.



     


      Me deparo com um fenômeno comum, mas que de tão corriqueiro me deixa assustada; acuada. No meio de tanta gente, há uma multidão solitária. É contraditório, mas faz o maior sentido. Quanto mais há pessoas em minha volta, mais isso fica claro. Essa falta, essa lacuna. São pessoas atarefadas demais, pessoas que não estão em dia nem com elas mesmas.
      Parece que quanto mais se tem uma vida simples, mais feliz se pode ser.
      Fecho os olhos e consigo me imaginar parada, estática, no meio da rua. Enquanto olho para os lados, as pessoas como se em câmera lenta passam esbarrando em mim - no ombro direito, depois no esquerdo. Pessoas que não me veem. Pessoas que não veem elas mesmas.
      O celular em punho, o passo apressado; e eu ali. Parada. Esperando.
      Me vejo cercada de gente, mas ninguém se nota, ninguém conhece nada. Ninguém conhece ninguém. Lembro vagamente daquele "como você está?" que recebi há alguns dias - mais vago que a lacuna que persiste em latejar. Espero ser notada.
      A lembrança diária de algo que falta é outra contradição. É como lembrar de algo que se esqueceu; ou que foi esquecido. A lacuna. O espaço em branco.
      Nesse lugar de ninguém, lembro desse ponto de interrogação; vivo presa em uma angústia que me deixa cada vez mais sem ar. E, no meio disso tudo, lembramos que agora somos adultos.
      Todos viramos adultos, e com isso, nos obrigamos a aceitar as coisas do jeito que são. E lá naquela avenida movimentada na qual eu estava parada, eu pisco demoradamente, pego meu próprio celular e saio andando, esbarrando. Sendo adulta; sendo conformada. Sendo como querem que eu seja.
      Na minha cabeça, a lembrança da infância feliz e completa; no coração, o baque da realidade, a lacuna e o sentimento de falta.
      No meu rosto, a maquiagem de adulto.
      O passo apressado.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Meu tão amado inútil.






   Sempre me disseram que guardo muitas coisas inúteis em casa, muitas bugigangas. E não é mentira, eu guardo mesmo. Guardo papel de bala, papeizinhos, lápis quebrado, enfim... coisas que não possuem utilidade nenhuma, senão, ficarem guardadas. Desde pequena me desapegar dessas coisas sempre foi uma tarefa dificílima. Só eu sabia o quanto doía jogar tudo aquilo fora.
      Hoje ainda tenho esse costume, e ainda é difícil me desfazer das tais bugigangas, mas acredito que isso tudo tem um motivo. Lá na minha infância mora uma lembrança muito especial relacionada a minha afeição por esses objetos. Eu tinha por volta de oito anos de idade e estava toda arrumada para levar meu pai no aeroporto. Nunca gostei de ver meus parentes indo viajar, sempre me deu uma insegurança, um medo; afinal eles não estariam mais sob meus olhares, meus cuidados constantes. Foi pensando nisso que sentei em minha cama olhando tudo que tinha em meu quarto. Olhei em volta e parecia que nada era especial o suficiente, nenhum era o objeto perfeito. Me levantei e fui até uma caixinha na qual guardava as minhas maiores bugigangas. Só as mais inúteis.
      No meio de tantos papéis, botões de roupa, miçangas e pequenos pregos, achei o objeto a qual procurava sem saber. Um mini-chaveiro composto por uma cordinha e uma bolinha pendurada, com o desenho de um sapo. Havia ganho em uma revista que lia sempre, era um brinde! Abri um sorriso de orelha à orelha e guardei-o no bolso. Chegando no aeroporto, tirei de onde havia guardado o chaveirinho e entreguei-o ao meu pai, pedindo que ele levasse na viagem.
      Esse era o meio que eu tinha de me manter com meu pai. Sempre.
      E é isso que faço até hoje, guardo tudo que me dão que não tem valor nenhum, pois assim como eu, essas pessoas também sempre estarão comigo pelos presentes que me deram, que aparentemente não possuem nenhuma utilidade.
      Hoje vou presentear alguém com um recadinho. Escrito em letra fina, corrida; feito à tinta azul. Nele estará escrito um "Eu te amo". Como lembrança. Como proteção.