segunda-feira, 7 de maio de 2012

Úteis Fones de Ouvido





     
       A imagem que eu via no momento era dos meus pés fazendo a dança de sempre. Um pé após o outro, no meu caminho de volta para casa. Eu me movia conforme a trilha sonora que saía dos meus fones de ouvido.
      A batida era marcada, ritmando meus passos, que ficavam cada vez mais cravados. A música sempre fora considerada um refúgio, e na rua, isso ficava claro. Eu usava fones de ouvido pois assim ficava mais fácil pensar. Nada, nem ninguém, atrapalharia os pensamentos e as ilusões que a música me trazia. É tão mais fácil simplesmente não ouvir uma pergunta, a ter de respondê-la; não ouvir o pedido de esmola ou o próprio irritante barulho que meus passos faziam. Aquele zumbido dos carros.
      Eu ouço música. Optei por esquecer o real e ouvir poesia. Ouvir aquilo que me trazia conforto, uma paz. Mas por quê o sentimento de que aquilo era errado persistia? Eu estava ignorando o que estava na minha frente. Inclusive a resposta.
      Ainda usava os fones de ouvido, porém por conta de meus próprios devaneios, não percebi que a música havia parado de tocar, e eu andava descompassada. Ou melhor, meus passos seguiam o ritmo do instrumento que um vendedor de algodão doce usava para chamar atenção das crianças da rua. Olhei-o, e ainda usando meus fones de ouvido, vi-o sorrir para mim. Um sorriso simples, mas foi por ele, que pela primeira vez percebi o tanto que um sorriso poderia ser triste.
      Abri a bolsa, peguei um real, e pedi um algodão doce de cor azul. O vendedor sorriu de novo, e disse um singelo "Obrigado", com olhos de quem declarava, na verdade, que era grato pela comida que conseguiria comprar.
      Só então percebi que já era hora de tirar meus fones de ouvido.

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